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segunda-feira, 19 de março de 2018

TIROS CERTEIROS ( TRIBUTO A MARIELLE )

Hoje sonhei com Marielle, na qual não havia olhos de sangue, nem a boca de estupor.
Seu sorriso me trazia a liberdade que eu havia, outrora, sonhado.  Desfilava pelos becos, e ouvia, ao longe, os tiros, no silencio do choro das criancas aterradas.  Nela, que não mais vive.
Antes de ontem, ouvi Marielle cantando, em uma musica de ninar.  Embalava todos os anjos do mundo, numa melodia singela, seus sons docemente definidos, na procura do não mais do que o agora.  E o choro se foi contendo, a espuma do mar ficando mais fraca, límpida, como se, somente, saboreasse a areia.  E, então, parei.
Mas foi, há uma semana atrás, que vi Marielle, a passar pelo outro lado da calçada, a me acenar, festiva.  Contou-me de que havia recuperado um programa de assistencia para jovens da favela, fato promissor, num pais decadente, realidade reles, futuro ignobil.  Nossos jovens preservados, de alguma forma, me diria ela.  E senti, com empatia, as forças de sua conquista, na decisão de seu caráter, e na importancia de sua conduta, firme e direta.
Na verdade, quase me houvera esquecido de que nos falamos pelo telefone, e seu júbilo pelas conquistas adquiridas, ao longo dos meses, era grande.  Júbilo é uma palavra que se mescla à autodeterminação do não sucumbir.  Pois apenas o forte e idealista consegue recolher, das migalhas do cotidiano, o prato que lhe alimenta as ações futuras.  E assim nos divagamos, realisticamente.
De total improviso, surgiu aquela mesa de bar, num final de sábado, pedindo descanso.  Dançamos, cantamos e sorrimos, porque a verdadeira luta se alimenta de boas catarses.
Momentos não nos faltaram.  Preciosos, válidos.
Mas, à voce, principalmente, deva ter faltado o bem mais precioso.  Seu direito à vida, de acordo com suas proprias escolhas, e delirios.
Tenho comigo que, aos predestinados, o peso da responsabilidade do coletivo, que é, por demais, oneroso.  Mas voce o fazia bem.  Provavelmente por ter encontrado muitas de suas proprias respostas individuais, ao correr de sua vida, de trajetoria tão curta.
Minha imaginação tenta percorrer, em flashes, a cena amedrontadora, em que um carro emparelha com o seu, dispara tiros certeiros, e é engolido pela escuridão da noite.  Sobram mortos corpos, o seu e o do rapaz.  O destino de balas que dilaceram uma vida em centésimos de segundos, incompreensiveis para derrotar a sequencia de uma existencia tão rica.
Imagino sua morte, e o sangue que, dela, jorrou, e o que ele representa.  A entrega, a impotencia ?
Somos pequenos diante da morte, que se resvala, traiçoeira, à espera, em qualquer beco.
Porém, o grande paradoxo é o legado da vida que existe, para alem da visão da morte.  Não queremos aceitá-la, que não se vá, dilua, em ideia, força e pensamento.
Como se Marielle estivesse presente, na ausencia do que não é.  Na morte que rejeitamos, por não querermos o fim.  Por sabermos a esperança.
Velas que não se apaguem.  Mortos em memoria, que não se sacrifriquem seus corpos.
Um minuto à vida, para que a tristeza não se faça maior.
Marielle, como não me morrer ?

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