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domingo, 25 de março de 2018

APARTHEID LIBERDADE ( DE BELÉM A HOD A HOD HASHARON )

Olho a cidade de Belém com seus olhos, e vejo um muro que separa pessoas e sonhos.
Tão mais feito em concreto, símbolo do apartheid humano, que se abate sobre mentes enfurecidas, indignas em seu direito de oprimir.  Criamos um elo, em que leio suas palavras de indignação, e respiro as sílabas de sua vivencia conturbada.
Precisa-se o estar, chaga exposta, exposição de todos os martirios.  O porque dos que, a eles, não relegado.  Pelo não contato com a dor, o amorfo, riso frouxo, hipocrisia condescendente, a propria expressão da falta de generosidade humana.
Precisaríamos todos estarmos em Belém, e presenciarmos a rotina das crianças que desafiam a autoridade?  De quantas palestinas destemidas que se ergam os braços, nos rostos em que cravam seu destemor, sem renuncia.
Apenas crianças, ou mais uma placa.  Proibido seguir em frente, risco de morte.  Ao que se contraponha a vontade de liberdade da minha cidade, que grita, aos brados, seu destemor e juventude.  Sem barreiras, seu único limite, como imaginação é a propria credulidade.
Nao sou mística ou, tampouco, boa.  Apenas tento ser justa.  Como voce o foi, nos dias em que seu cartão de visita não era o mar, mas um muro, que lhe prometia a divisão de sonhos, o estancar da liberdade, e a opressão das liberdades individuais básicas, que deveriam ser concedidas a todos os seres humanos.
Outros se propõem a grandes planos, e os engendram a partir de falsos axiomas.  O que lhes deveria causar revolta é motivo de júbilo, porque se apoia na sua perspectiva individual de contentamento, tão somente.  Para eles, o muro existe enquanto ficcional, num projeto longíquo, que lhes passa despercebido, quando disfarçado de realidade.  O que pregavam resultou na memoria afetiva de um quadro de ilusões documentado, em nada real.  Não se vive o conflito.
Pois foi você que escolheu uma parcela tão ínfima da sua vida para se entregar, como se a realidade lhe tragasse os pulsos.  Jovem, mas carente de coragem de formular suas perguntas.
E é você que se entrega a um projeto de futuro, dançando ao som dos ritmos etéreos, como se o tocar o chão lhe fizesse doer os pés.
Medo.  O que paraliza, e causa o não pensar.  Dor, que estanca, e fere os pulsos.  Impotencia, que jorra, mesmo sem causa definida.
Naquele muro à frente, voce se espelha, e lhe vem a cabeça uma poesia de Fernando Pessoa.  Talvez pense em mim, mas é tarde, e os anjos de nossas vidas já consagraram o desencontro, desde há muito.  Sobra-lhe a injustiça social, e o caos político.
Você, novo companheiro, viverá as agrurias da contradição, para deixar sua carne exposta.  No muro em que sua imaginação penetrar, de cada vez de que uma injustiça, fatalmente, bater à sua porta.  Resta saber se voce a abrirá ou optará por se tornar um vaso, belo, mudo, cerâmico.  Como tantos.
A vida passa, e os destinos correm, como os rios dos homens tristes.  Vai-se meu pensamento, sento à luz meu coração.
Sinto-me perdida, como se soubesse, de antemão, a triste realidade dos fatos.

segunda-feira, 19 de março de 2018

TIROS CERTEIROS ( TRIBUTO A MARIELLE )

Hoje sonhei com Marielle, na qual não havia olhos de sangue, nem a boca de estupor.
Seu sorriso me trazia a liberdade que eu havia, outrora, sonhado.  Desfilava pelos becos, e ouvia, ao longe, os tiros, no silencio do choro das criancas aterradas.  Nela, que não mais vive.
Antes de ontem, ouvi Marielle cantando, em uma musica de ninar.  Embalava todos os anjos do mundo, numa melodia singela, seus sons docemente definidos, na procura do não mais do que o agora.  E o choro se foi contendo, a espuma do mar ficando mais fraca, límpida, como se, somente, saboreasse a areia.  E, então, parei.
Mas foi, há uma semana atrás, que vi Marielle, a passar pelo outro lado da calçada, a me acenar, festiva.  Contou-me de que havia recuperado um programa de assistencia para jovens da favela, fato promissor, num pais decadente, realidade reles, futuro ignobil.  Nossos jovens preservados, de alguma forma, me diria ela.  E senti, com empatia, as forças de sua conquista, na decisão de seu caráter, e na importancia de sua conduta, firme e direta.
Na verdade, quase me houvera esquecido de que nos falamos pelo telefone, e seu júbilo pelas conquistas adquiridas, ao longo dos meses, era grande.  Júbilo é uma palavra que se mescla à autodeterminação do não sucumbir.  Pois apenas o forte e idealista consegue recolher, das migalhas do cotidiano, o prato que lhe alimenta as ações futuras.  E assim nos divagamos, realisticamente.
De total improviso, surgiu aquela mesa de bar, num final de sábado, pedindo descanso.  Dançamos, cantamos e sorrimos, porque a verdadeira luta se alimenta de boas catarses.
Momentos não nos faltaram.  Preciosos, válidos.
Mas, à voce, principalmente, deva ter faltado o bem mais precioso.  Seu direito à vida, de acordo com suas proprias escolhas, e delirios.
Tenho comigo que, aos predestinados, o peso da responsabilidade do coletivo, que é, por demais, oneroso.  Mas voce o fazia bem.  Provavelmente por ter encontrado muitas de suas proprias respostas individuais, ao correr de sua vida, de trajetoria tão curta.
Minha imaginação tenta percorrer, em flashes, a cena amedrontadora, em que um carro emparelha com o seu, dispara tiros certeiros, e é engolido pela escuridão da noite.  Sobram mortos corpos, o seu e o do rapaz.  O destino de balas que dilaceram uma vida em centésimos de segundos, incompreensiveis para derrotar a sequencia de uma existencia tão rica.
Imagino sua morte, e o sangue que, dela, jorrou, e o que ele representa.  A entrega, a impotencia ?
Somos pequenos diante da morte, que se resvala, traiçoeira, à espera, em qualquer beco.
Porém, o grande paradoxo é o legado da vida que existe, para alem da visão da morte.  Não queremos aceitá-la, que não se vá, dilua, em ideia, força e pensamento.
Como se Marielle estivesse presente, na ausencia do que não é.  Na morte que rejeitamos, por não querermos o fim.  Por sabermos a esperança.
Velas que não se apaguem.  Mortos em memoria, que não se sacrifriquem seus corpos.
Um minuto à vida, para que a tristeza não se faça maior.
Marielle, como não me morrer ?