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terça-feira, 19 de setembro de 2017

ABORTO

Abarque meu corpo, e se junte a células que se fixarão em meu útero.
Somos dois, até o momento de minha derradeira escolha.  Não é o momento nem, tampouco, a vontade.  Se, de mim, o não poder, optarei por minha chance.
Não significa o presente da dor, nem a dadiva dos escolhidos.  Simplesmente um destino que se cumpre, árido em sua proposição real, ainda que certo.
Sonhos não existirão, muito embora a essencia do ser me pulse, ainda que inteira.
Tomo, por mim, a decisão que não ferirá minha propria ética, nos contornos de minha vida que seguirá, na espera do átimo certo, em que me julgarei plena.
Meu corpo reclama a ausencia do que não será, pois se moldou às contingencias de um futuro incerto, predeterminado pelo pragmatismo do aqui e agora, que deva ser respeitado.
Sim, somos dois, pelo espaço de tempo que nos seja concedido.  Curto ou mais longo, numa simbiose que se misturará ao meu sangue, sobre o foice que arrabata a existencia contida.
A vida nos traz referencias lógicas, e clama a justiça da sobrevivencia.  Por ela, e não mais, somos o fato real, células vivas que se perpetuaram pelo tempo, não prontas à vida que virá.
Sinto a mim, por ter a possibilidade da opção.  Doida, ao se pensar no que não foi.  Espiritual e moralmente certa em sua não ambiguidade.  Forte e corajosa, sem olhar para trás.  Apenas bela, imersa em sua propria dor.
Caminhos são distintos, em rotas separadas.  Existem em seu momento de contemplação do real, e se fazem válidos à revelia de seu proprio impulso.  Nada há que criticá-los, esboço miúdo da vontade não perene do acontecido.
Assim somos, refletidamente, procurando respostas em vazios de tempos que já se sucederam.
O momento que existiu é vago em sua intensidade, não menos real ou condizente com o que há.
E, de novo, e meu corpo pulsando por dois, na trajetoria de um infinito que não acontecerá.  Na busca de uma resposta já dada a priori.  A vida é o que o corpo de uma mulher decidirá, não mais.  Por ela, e para ela, antes de tudo.
Somente vago, sabendo o preço da dor.  Que, seguramente, existiu, nas vontades não cumpridas das entranhas do meu ser.
Respeito o poder de minhas decisões sem, por isso, me isentar do desconforto de vozes que se calaram dentro de mim.
Pois, se não o fosse, estaria eu aqui a pensar, simplesmente, na ternura que envolva a supremacia da especie.  Contaminada pelas circunstancias, abalada em seus pressagios, carente das vidas que não obterão forma.
Não me penitencio, sem esquecer o obvio do que é sentir para não chorar.  Chorar, para continuar vivendo.  E viver, para propagar meu destino.
A vida, o acalanto dos que o merecem, muitas vezes furtivo, sem palavras.  Doce e esguio, como uma promessa a não se sentir, posto que não é vida.

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