Seguidores

quarta-feira, 28 de junho de 2017

ESCREVER UM GANHO ( PARA FERNANDO PESSOA )

Escrever a vida é como ganhar a dor.
Ela, que se esconde por entre as palavras e sai, miúda, querendo cantar.  Porque os acordes do sofrimento fazem um uníssono com meu coração, que não bate tranquilo.
A vida se passa, nos momentos que vão.  E o pranto recebido não mais se traveste em saudade.
É bloco maciço, cimento do esquecer, loco do aprendizado.  E, por entre os rios que correm, vai levando o legado caudaloso de uma só experiencia.  O sofrer, que se faz continuo, porém, não inesperado.
Nos seus momentos de ternura, o mundo dos homens parece perfeitamente concebivel.  Das névoas, vêm as perguntas, e o cansaço dos desencontros.
Mas a vida é como procurar chaves.  Não há que se decretá-las perdidas, até que nos convençamos de que tudo fizemos para encontrá-las.  Sem dó ou piedade, no caminho, certo ou não, de nós mesmos.
Por isso, hoje sorrio ao homem da tabacaria.  Muito embora não tenhamos as mesmas perguntas, nossa emoção é a mesma, por questionarmos o desconhecido.  Por nossos olhares se encontrarem, de um átimo.  E, de como o mundo dos homens, sorrateiramente, nos pregue as mais variadas falsetas.
Hoje é dia de brinde, muito embora não haja um porquê.  Dia de lágrimas, a tudo que se veja na concepção humana como realidade.
Minha alma transborda a compaixão dos que se sentem predestinados.  E tenta alcançar um bom motivo que a sustente ao chão, nível das adversidades sempre presentes, nunca olvidadas.
Não chora, nem ri.  Está limpa de vestigios e, para onde caminha, o azul é doce e cristalino.  O branco do fim dos sentidos já deixou sua marca de morte.
Assim caminhamos, obtendo do pão da vida agrurios de bons ventos e naus de tempestades. O homem da tabacaria novamente me acena, num sorriso cúmplice de compaixão, e não mais pranteio.
Somos humanos à deriva, egoisticamente formados à semelhança de nós mesmos.  A morte nos confere a dubeidade dos sentidos, com a dignidade dos deuses, presentes em nossas formas de criação.
Escrever é, da vida, um ganho, em que o jogo seja simplesmente existir, unicamente a nós, fruto do incerto, caminho das naus, essencia do porvir.
Ao ser humano, o enlevo de sonhos, e o acordar da finitude, sem mais.  Aos dias que se passam, uma única certeza.  A mais correta possivel, daonde nada sabemos, agente transformador de tudo que aí está.
.
.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

HOMENS DE MIM ( VIVENDO A ENTREGA )

Quem sabe isso quer dizer amor.  Eu não sei, e me diga quem o saiba.
Naquela noite, em que encontrei seu rosto, e procuramos nosso lugar para nos darmos.  Na magia do acontecer, um encontro breve, onde a paixão resplandesceu tão rápida, como a fuga.  Assim lhe amei.
Nos meses prolongados em que passamos juntos, eu, repleta na vontade de ser sua, bloqueada  por meu corpo, que recusava a entrega, me surprendi sendo eu mesma.  E do momento recordo, naquele abraço de satisfação plena.  À você, que me proporcionou o orgasmo fundo e nítido, sem que eu tivesse me dado conta do quanto eu o queria, meu momento é seu.  Na alegria de poder conservá-lo para mim mesma, mesmo quando você se foi.
Tantas recordações e átimos, breves, que se perdem na fusão de um tempo continuo, e na efemeridade dos que sabem o fim.  Pois a paixão nada mais o e do que o sonho do momento que foi, na perpetuação do que se sabe efêmero.
Como um troféu, pelo ganho de uma parcela de ternura, gozo e entrega.  Sem paradeiro, a paixão se refaz em si mesma.
Sem nomes, todos parte de um mesmo cenario.  Eu mesma, vendo rostos que perfilaram em minha vida, sem que eu soubesse, de antemão, as casualidades do meu destino.  Não fora o sofrer parte da volupia do se dar, e estar presente, corpo e espírito, buscando não estar só.
Homens de minha vida, eu possuida, não menos dos que os senti em mim, a todas as vezes em que houvera um encontro.
Eis-me aqui, como se estivesse me dedicando a um livro de reliquias.  Das mais tênues às mais cheias de volupia, os retratos do passado são remendos que amainam minha solidão no presente.  Incerteza no futuro, ao que meu corpo responderá.
Não tenho magoas, no limite de minhas reminiscencias  A constatação do fluir com meu livro de memorias, so, insistentemente, meu. Recortado em varios anagramas, pedaços em letras, suaves compensações.
Leiam-me ou não, sem mudança no correr dos fatos.  Estou inteira, a mercê de meus proprios jogos, entregando-me às conversas do meu eu, sempre leal.
Pois que, delas, retiro a suavidade da bonança, na claridade dos meus proprios sentidos, e vivo-as comigo, deixando ao real sobre sua propria dúvida.
E, de algum modo, preencho os vazios que me ficaram pelo caminho, nas intersecções de minha vida, tangenciada pela sombra de meus homens.
Minutos não contados, na relação da felicidade com o tempo, em que a espera não termina.
Deixem-me amar mais um pouco, ou não.  Fiquem dentro de mim, até que eu, propria, me renda.  Balbuciem meu nome na forma mais tenra e carnal, pois quero tudo isso, no mundo em que me transformo.
E serei eu a gozar o sempre, sem querer, ou com sentido.  Concordando ao que era antes, passado que me desdobra em lembranças, eu, que caminho para a morte.  Sem adeus, mas não triste.
Valeu viver.

domingo, 11 de junho de 2017

É LINDA ( ANAGRAMA DE UMA FOTO )

Sua fotografia era mais do que peça de cenario.  Figura marcante, encontrada ao léu, por entre as sombras de meus pertences.
Até que, um dia, o passional se transformou em momento de realidade, e me despi, lhe rasgando aos pedaços.  E, tal como julguei me desvencilhar de você, novamente procurei minhas amarras, naqueles residuos de papel que, a despeito, ainda conservavam sua imagem inocua.
E, assim, convivemos, um retrato em branco e preto, disfarçado em saudade.
Fale comigo, me abrace, se ainda aí está, e me olhe, prescrutando palavras que não sei, nas dores que senti.
Contentei-me em estar a sós, desnuda, para você, minha fotografia.  Amigo ausente, amante incompleto, homem menino, nada mais a desejar.  Tão inteiro num quatro por quatro, minúsculo no espaço de minha vida.
Poderia escrever muito mais, eu, que sublimo as emoções do que está por vir, e brinco sem medo, na retórica do meu pranto não contido.  Do corpo que expus, e da sensação estranha e fascinante, que é ter lhe possuido, dentro de mim.  Louco e efêmero, como só os momentos que não se traduzem, mágicos.  Aterradores, se trazidos ao convivio de expectativas que não se cumprirão.
A paixão torna os cegos à subjugação do querer.  Aos corpos à venda, ao sentimento à prostituição.  Tudo isso refletido nesse rosto que encaro, até não mais poder.
Rasgo-lhe, dilacero, o que de real restou.  Não mais você à minha cômoda, mesa, enchendo meus pulmões de ar que não respirarei.  Sou o momento novo, costas viradas aos átimos, presentes regalos do passado, em todas as suas vicissitudes, tão cheia de paixão na destruição como, quando o fora, na entrega.  Voce se foi em mim, e meus restos cremarei.
O tempo se reverencia, tanto quanto todos os minutos do relogio que, a frente, pulsa.  A vida toma seus contornos, e a rotina conta do enlevo que, um dia, só foi.
Outras procuras virão, outros papeis, demandas, e eis-me aqui, com outro retrato seu que achei.  A mesma foto, no mesmo documento, pedindo-me para ficar.  Eu, que não sei de amarras, que não o meu proprio desejo por sublimar a paixão.  Você, que me olha, ou não, mas ainda está, comigo, meu quarto, mundo, ainda parte dele.
Com fatalismo, recebo, novamente, sua presença. Conservo-a, desde que nunca se foi.  Pedindo-me o que minha fantasia não negue.  Subtraindo, quem sabe, sua ausencia real, no todo imaginario de um momento que aconteceu, perpetuado.
Sigo-a, até que me deixe.  Já não tem data, mas uma certa resignação.  Das paixões que ocorrem sem sentido, senão, talvez, não as seriam.  Da inspiração que marca linhas infindáveis, seu rosto presente, na ausencia do tempo.
Que pode tê-lo levado para muito longe, além dos caminhos indivisiveis da alma e do pensamento.
Restamo-nos, inertes.  Voce, não mais dentro de mim, e eu não mais sua.  Apesar de uma foto, que relembra, em si, uma historia tão absolutamente especial em sua trajetoria.
Se valeu sofrer, não sei.  Quem sabe, será sua foto, um dia, a me descobrir a verdade dos fatos que não se explicam.
Um anagrama, so ternura.  É linda.