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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

MORTE EM VIDA ( ODE AO ÍNDIO BRASILEIRO )

Na calada da noite, um grito ecoa por toda a floresta.
São as mães que não tiveram tempo de amamentar seus filhos, e os pais que os descobrem jovens, estrangulados junto à uma árvore, que não quis morrer.                       Dezenas de seres pedindo seu lugar, que outrora havia não se fizesse nenhum clamor.  Dentro das matas sorrateiras, um indio desce, farejando sua presa.  Seus olhos de águia a tudo assistem, e ele espera.  Seu compasso é único, o limiar de uma vida.  Seu tempo tambem o é, longíquo e desprovido do valor das cidades.
Dormir ao chão, relento, terra firme.  Hoje a noite terá a celebração dos fogos.  Amanhã a colheita será mais farta, e o dia mais luminoso.
Mas, aos indios, não lhes é permitido caçar nem, tão somente, ocupar seu territorio.  Eles são os senhores que ameaçam, os verdadeiros algozes de nossa sociedade decrépita.  Elementos produtivos,  gananciosos, que se ocupam em extrair do bem os maleficios que contaminarão todos os pobres de espírito.
Ja fui indio, e por isso sei de seu destino.  Vesti-me com roupas coloridas, adornei meu corpo, e gritei. Um brado uníssono nas selvas, escutado por todos os trovões.  O céu ouviu meu lamento, mas o mundo dos homens o emudeceu.
Somos carcaça, a que se pode jogar ao limbo, resquia virtual de poeira.  Somos crianças que choram como todas, pedintes no seu direito de crescer.  Mas o leite de nossas mães já está seco.
Um dia, andando pelas matas, eu, indio, me deparei com uma cena.  Era a estrada costeira e vozes, muitas, que pediam minha submissão.  Destruiram-nos a aldeia, o pão, e a terra.  Nossa escola se desfêz como um livro, já sem uso.  Chorávamos, mais não emitiamos nenhuma voz.
Éramos fantasmas, fantoches de nós mesmos.  De que vale o choro não consolado ?  Por quantas mortes valerá esse lamento ?
O dia se passou e, com ele, veio a noite.  Espreitou-se à esgueira, e fulgurou no céu.  Mas tambores tambem emudecem, quando não há quem os toque.
Não havia mais tristeza, alegria ou saudade.  O sentimento se extinguiu, a raiva acabou, e uma inteira raça foi dizimada.  Sem rastros, vida, ou qualquer sombra de identidade.
Os grandes senhores tomaram por bem nada dizer, fato posto. De que adianta a compaixão a quem não sabe ser servil ? A empatia, a quem único se julga ser ?
Genocídios acontecem mundo afora e, esse, é só mais numericamente um.  Estejamos mortos, plantados com nossas flores, sepulcro de nossos tormentos.  Nossos suicidios não serao contados, nosso pão distribuido, e nossas raizes eclodirão, arrancadas à força.
Nasci indio e assim me vou.  Sem qualquer traço de saudade ou esperança. Cético de que dias melhores me esperarão.  Confluente ao ruido dos pássaros, que me fizeram parte da selva, em uníssono.
Apesar de tudo, não ser, posto que morte em vida.
Nasci indio, e assim morri, levando minhas lágrimas, mas não meu acalento. Deixando tristeza a cada palmo pisado.
Morri indio, mas deixei o legado de não me deixar dobrar à subserviencia do homem.  Se minha terra delimitada, sua vida um vazio de amor e ternura.
Se, ao meu filho não leite, a voces não à vida.

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