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sexta-feira, 17 de junho de 2016

UMA ODE AO NÃO BOICOTE

Um dia, a arte acordou com uma crise de enfado existencial.  Cansou de ser libertaria, lúdica e universal.  Afinal de contas, Van Gogh não foi poupado por exterminar uma orelha.  Muito pelo contrario, o planeta se refastelou em associar seu ato decrépito com a genialidade de traços nunca antes percorridos.  Hemingway saudou a solidão de um velho homem de braços abertos ao mar, e sua visão de liberdade culminou em seu proprio suicidio.
Tenho em mim que a arte tenha se cansado de si mesma.  De suas formas a procura, de suas palavras passeando aos olhos, de sua mística, dos ouvidos que escutavam sua música.   Esvaziou-se no seu sentido de existir, de encontrar o sempre mesmo pretexto de ser ela, e por ela ser só.
Houve um dia em que parou.  Desceu de seu sentido místico de representar o que não tem nome, e resolveu ouvir o apelo da voz humana.  Transvestindo-se, assim se prostituiu.  Saudando o que deveria calar, virou artigo de consumo.
Os homens produzem a arte, como assim a destroem.  Aceleram a tecnologia que, por sua vez, arte também o é na qualidade de improvisar o desconhecido.  Bordaram e bradaram tanto que ambos, tecnologia e arte, esgotaram de vez seus proprios recursos em serem livres.
Canto?  Não canto, saboto.  Impeço a outros de me ouvirem, porque o negar é um ato político.   Saboteio a importação de tecnologia, vide o mesmo pretexto.
Ai ficamos nós, os seres humanos.  Aqueles que, carentes, necessitamos da música que, aos nossos ouvidos, gritaria como um som que desafia a guerras.  Aqueles que, desesperados, precisariam de um marcapasso que lhes ajudasse o coracao a bater.
E visionarios somos os que, absolutamente, não entendem os meados de tanta mesquinhez.  Os que não sucumbem à corrupção de fórmulas baratas e imediatistas, que pensam produzir os mais benéficos resultados.
Somos nós que queremos que nossos filhos, soldados, dancem ao som das melodias por eles escolhidas.  Porque esquecerão o barulho das guerras e o grito dos canhões.  Sao vocês os que querem um sorriso que não se apague ao último suspiro.
Sou eu que sonhei com um mundo melhor em que, onipotentemente, acreditei serem as alegrias transparentes aos olhos de meu filho.  Que ele conhecesse o que cansei de usufruir na terra onde nasci.
Sou eu que não entendo a dicotomia.  De um lado o homem, soberbo a si mesmo, produto feito a compor tão divinamente.  Do outro lado, ele,  brincando com as migalhas do egoismo que encontra pelo caminho.
Boicotar o que, que já da vida nos tira tanto, sem que entendamos o porquê.  Que nos apresenta um mundo de misterios, sempre revestido pela relutancia em conservá-lo.
Boicotar significa morte.  Aos que lhes é negado o direito de repartir.  E o primeiro principio das guerras, e o mais covarde.
Querendo encerrar com, ao menos, uma palavra que console, meu pensamento toma forma em acalanto.  Que a arte e a tecnologia parem de gritar.

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